quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

As Tribulações Balcânicas do XVII Governo Constitucional

No dia 7 de Outubro de 2008, o governo Português reconheceu a independência do Kosovo.

Para aqueles de nós que intimamente esperavam que o protelamento inicial fosse uma desculpa diplomática para deixar o processo em suspenso, a surpresa instalou-se.

Não apenas ao governo, mas também em relação à Presidência. Uma coisa é certa: se alguma hesitação houve por parte destes intervenientes, ela não se deveu certamente ao peso da opinião pública em Portugal. Poucos deram importância ao caso e a maioria nem sequer sabia do que se tratava.

Este blog digna-se a debater este evento pois é uma daquelas questões fracturantes em Relações Internacionais aonde os dois lados do argumento nunca concordarão. Talvez a par da questão Israelo-Palestiniana, um exemplo límpido do choque de ideologias.

 

Antes de mais há que nos interrogarmos sobre porquê. Qual a possível motivação que levou Portugal a reconhecer o Kosovo?

 

Como em muitos outros processos, as razões por detrás desta medida não foram claras e a oposição também fez questão de se abster de provocar celeuma num domínio que dá poucos votos.

 

Devido à escassez de informação teremos que proceder a partir de dois pontos de vista. Um moral e outro pragmático. Infelizmente o primeiro é necessário, pois a moralpolitik é prevalente em Portugal.

 

Moralmente falando, o que é que poderia levar Portugal a reconhecer o Kosovo?

O facto de termos sido parte integrante da operação da NATO que bombardeou o Kosovo? Provavelmente não.

A Sérvia sofreu bem mais e ainda assim não foi compensada. Para além de que Portugal já pagou a sua dívida moral para com os habitantes do Kosovo com o acolhimento de refugiados Albaneses e a manutenção duma força de manutenção de paz desde 1999.

Foi então talvez o facto de termos querido compensar um território democrático e liberal? Também é pouco provável.

A Sérvia é hoje bem mais democrática que o Kosovo, para não falar em tolerância e diversidade étnica.

Talvez então o factor “a cada povo o seu território” i.e. o direito à autodeterminação, conceito com o qual Portugal deveria estar mais do que familiarizado. Pois …também não.

Para já porque autodeterminação não é sinónimo de independência e não implica necessariamente secessão. Depois porque a população do Kosovo que requer a independência já tem um estado próprio que se chama Albânia…

Um indicador deste facto talvez tenha sido a abundância de bandeiras da Albânia – a par das dos EUA, Alemanha e França - no dia da declaração de independência. Curiosamente, para quem estava ansioso pela independência não havia quaisquer bandeiras do Kosovo… não havia também qualquer hino ou canção “nacional” que não fosse Albanesa a ser entoada. A razão não é tão curiosa como bizarra: o Kosovo não tinha bandeira, nem hino até umas semanas depois quando umas propostas para tal foram aceites pelo parlamento do Kosovo.

Já agora também valeria a pena mencionar que não tinham língua ou religião próprias, ou em jeito de conclusão, nada que os separasse dos seus compatriotas do outro lado da fronteira.

O facto é que a população da província administrativa do Kosovo-Metokhia anteriormente pertencente à Sérvia, que veio a ser independente (de facto) era composta quase exclusivamente por Albaneses. A razão para não ser composta igualmente por Sérvios, ciganos e as outras minorias que lá habitavam antes da intervenção da NATO é que estas minorias fugiram ou foram expulsas por forças paramilitares Albanesas como o UÇK, depois da ocupação da NATO. O mesmo UÇK cujos líderes hoje governam o Kosovo.

Para quem bradava aos quatro ventos que havia limpeza étnica no Kosovo Sérvio, não se vê hoje a autoridade/necessidade moral de qualquer país da NATO em reconhecer o Kosovo como um estado.

 

Tentemos então uma motivação de ordem pragmática, a nossa predilecta aqui no Príncipe Perfeito.

Tinha Portugal grandes interesses nos Balcãs que justificassem o reconhecimento do Kosovo? A resposta não é clara porque tínhamos de facto um.

Tínhamos interesse em retirar as nossas forças de manutenção de paz que não serviam propósito nenhum e eram uma fonte de encargos.

Para além deste no entanto, não havia nada. Não tínhamos relações comerciais com o Kosovo e escassas dignas dessa designação com a Albânia.

Também não temos nem nunca tivemos quaisquer interesses geopolíticos nos Balcãs.

Até se poderia ir mais longe e dizer que em termos económicos e geopolíticos só teríamos a perder com o reconhecimento do Kosovo, o qual potencialmente poderia azedar as relações existentes entre Portugal e a Sérvia ou a Rússia.

Poderia então o governo Português considerar uma obrigação legal do país reconhecer o Kosovo? Terminantemente não.

O Kosovo não é um estado reconhecido pela ONU. Organização aliás que passou uma resolução estipulando os limites territoriais dos vários estados ex-Jugoslavos – aquando das guerras dos Balcãs – que determinava explicitamente que o Kosovo-Metokhia era parte integrante da Sérvia – então Jugoslávia, estado sucedido pela actual Sérvia.

Concluindo, Portugal está também do lado errado da lei.

Nesta matéria do Direito Internacional muito há a dizer. Se é verdade que os estados respeitam ou desrespeitam o Dto. Intl. conforme lhes é mais ou menos favorável, também é verdade que esta questão não é de sobremaneira importante que justifique que Portugal incorra em tal violação desnecessária.

E depois há que nos questionarmos sobre o processo do reconhecimento. Se Portugal estava convicto da legitimidade da independência do Kosovo, porque não fazer o reconhecimento de imediato? A situação era a mesma e os riscos os mesmos.

Porquê esperar até às vésperas da introdução de uma moção Sérvia na ONU que convoca o Tribunal Internacional de Justiça a verificar se tal independência é ou não legítima de acordo com o Dto. Intl. ?

Pior um pouco, se o governo está convicto que essa independência é legítima, porquê abster-se no voto da moção Sérvia? Porque se havia dúvidas, tendo em consideração as tensões regionais, a medida sensata teria sido aguardar os resultados do processo antes de dar o reconhecimento.

É o reconhecimento condicional às averiguações jurídicas? Se se provar que a independência do Kosovo não é legítima, renunciar-se-á ao reconhecimento? E se não é condicional, qual a lógica do apoio à moção Sérvia?

Deixemos as considerações legais. Teria a motivação sido diplomática porventura? Também não.

Se é verdade que a esmagadora maioria dos parceiros (UE) e aliados (NATO) de Portugal foram pioneiros no reconhecimento do Kosovo, outros houve que se recusaram a fazê-lo (Espanha, Grécia, Chipre, etc).

Por outro lado, diversos aliados e parceiros de Portugal nunca o fizeram. A China recusou-se, tal como a Índia. Já para nem falar dos estados da CPLP.

E esta referência leva-nos ao Brasil o qual até agora não expressou qualquer intenção neste sentido.

Entre as várias ordens de raciocínio que terão conduzido a esta posição, há uma que se destaca na análise da política externa Brasileira: a Amazónia.

Existe uma certa paranóia no Brasil relacionada com a cobiça de outros estados Atlânticos em relação à Amazónia. Muitas das acções do Brasil ao longo da sua história têm sido direccionadas à justificação legal o mais abrangente possível para a soberania Brasileira sobre a Amazónia.

Reconhecer o Kosovo significaria reconhecer o direito à secessão unilateral de um território e por isso o Brasil recusa-se a ajudar à criação de um precedente de Dto. Intl. que lhe seja prejudicial no futuro.

Portugal poderia ser sensível ao interesse do Brasil, já que o seu aparenta ser praticamente nulo na matéria. Mas mais importante ainda, Portugal poderia aprender alguma coisa com o Brasil.

As recentes tendências federativas por parte das regiões autónomas em Portugal (também elas abrindo precedentes legais algo dúbios) não auguram nada de positivo para o futuro de Portugal.

Ninguém encarou a possibilidade de que talvez o interesse nacional de Portugal dite que o reconhecimento do Kosovo seja negativo para Portugal?...

Reféns do Capital de Boa Vontade

No recente conflito em Gaza, os governos Português e Brasileiro, por uma vez foram muito semelhantes na sua reacção.

Não é relevante para este blog discutir a validade das posições dos beligerantes. Interessa-nos apenas analisar as do mundo lusófono.

Ambos os governos se declararam neutrais e apelaram ao fim das hostilidades. Até aqui muito bem; se de facto não há interesses a defender, porquê tomar partido? Faz-se o politicamente correcto que é manter a neutralidade.

No entanto, esse não foi o caso, pois tanto o Palácio das Necessidades como o Itamaraty se deram ao trabalho de incluir nos seus comunicados os termos “desproporcionalidade” e encetaram iniciativas de claro apoio moral ao lado Palestiniano. O Brasil com o envio de ajuda humanitária e encontros com personalidades muçulmanas entre as quais dignitários Iranianos, e Portugal com a declaração de indisponibilidade dos aeroportos Portugueses em receber qualquer voo de abastecimento logístico aos beligerantes (i.e. as Lajes a Israel).

Porque é isto negativo? Porque a neutralidade vai inerentemente pela janela fora.

É mais do que óbvio que não existem quaisquer interesses Portugueses ou Brasileiros no Levante. As relações comerciais não são significativas e a relevância política idem. No caso de Portugal poderá ser argumentado que a política mediterrânica poderia estar em jogo mas de facto esta política foi construída apesar do conflito Israelo-Palestiniano e não com ele.

Assim, a única ordem de ideias que explicará razoavelmente a parcial tomada de partido a favor do lado Palestiniano é, como o título indica, a preservação do tal “capital de boa vontade”. Porquê? Porque sem esta boa vontade (acrescente-se Islâmica), a campanha do Brasil para aceder como membro permanente, ao Conselho de Segurança e a candidatura de Portugal a membro não permanente do mesmo órgão, perderiam força (por outras palavras, as dezenas de votos do bloco Islâmico).

Enquanto que o Brasil é uma força incontornável do sistema da ONU, Portugal tem menos influência. O Brasil pode-se dar ao luxo de não ser estritamente neutral. Poderá Portugal?

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Saudações Pragmáticas a todos

Este blog será a primeira voz Realista no mundo dos blogs políticos em português.

É nossa intenção discutir o exercício de política externa nos diversos estados lusófonos.
Com os nossos congéneres norte-americanos partilhamos a desvantagem de dar voz ao pragmatismo numa sociedade incorrigivelmente idealista.
É apanágio dos países periféricos perspectivarem o mundo com princípios em vez de racionalidade, como deveria ser e não como é.
Assim oferecendo uma perspectiva realista em Português propomos com este blogue a análise factual em detrimento da ideal.


M. N. Silva
I. David